sábado, outubro 21, 2006

Dormir II

"A importância de dormir" by Miguel Esteves Cardoso (excertos)

"Se há um segredo para se parecer mais novo do que se é, há só um: dormir. (...) O tempo que se passa a dormir não conta. Só se envelhece quando se está acordado. Quando se dorme, desliga-se o taxímetro metabólico. O meu tio, ao ver que eu gostava de dormir muito, avisava-me que um indivíduo que dormisse 8h/dia chegava aos 60 anos e tinha passado 20 anos a dormir. Eu, na altura, fiquei impressionado e tentei dormir menos (quando se é novo, viver muito parece sempre boa ideia). Hoje sei que um indivíduo de 60 anos que tenha passado um terço da vida a dormir só tem 40 anos de idade.
Enquanto se está a dormir, não se aprende nada, não se evolui (...), não se amadurece. Tenho um amigo de 30 anos que estão sempre a acusar de criancice e, de facto, como passa metade do dia (12h) a dormir, isso não é de espantar, porque ele só tem 15. (...) Não é dormindo que se adquire uma maneira adulta de encarar a vida.
(...) A vida tem 2 dias e convém passar um deles a dormir. O problema é que os portugueses não dormem. 9 em cada 10 portugueses têm olheiras. Porquê? Porque somos uma raça noctívaga com um horário teutonicamente madrugador. As pessoas que se levantam depois das 13h (coisas que os outros, os mal-encarados, têm a lata de chamar "levantar tarde") sofrem da mais terrível descriminação social. As padarias, fascistas, programam a cozedura do pão para estar fresquinho às 7h. Estalinistas. às 14h, as carcaças já não têm graça nenhuma.
(...) Os Espanhóis são mais civilizados nestas coisas, já que dormem uma sesta, que sempre os ajuda a enfrentar o resto do dia e da noite (...). O português, em contrapartida, teve de aprender a dormir acordado, o que tem o inconveniente de durar todo o dia. (...) As pessoas que trabalham a "atender o público" (...) deviam dormir mais. Algumas deviam dormir para sempre.
Para as coisas funcionarem conforme seria desejável, deveria ser absolutamente proibido que qualquer coisa acontecesse antes das 11h30 da manhã (uma concessão àqueles fanáticos um pouco nazis que, em vez de acordarem normalmente às 13h, despertam alegremente logo de manhã). (...)
O mundo é um campo de concentração com horários rígidos. (...)
Se os portugueses dormissem bem, não andávamos todos a dormir."